Do país paradoxal

Há já algum tempo, ainda mal chegado de Londres, onde fora à coroação de rei Charles, cerimónia que valeu a consolidação da Velha Aliança (uma vez recalcado o Ultimatum…), eis Marcelo a desferir forte ataque ao desgoverno de Costa. Soube bem o Presidente escolher o palco perfeito para a pública reabertura das hostilidades: o Banco Alimentar Contra a Fome. Com Isabel Jonet ao lado, Marcelo, e em coerência com o prometido, verbalizou pouco. Mas, na verdade, disse mais do que é costume. É possível que este novo estilo (mais eficaz) pegue.

Começou por repetir aquilo que, em modo de enxurro, “vemos, ouvimos e lemos” todos os dias do governo e dos seus conhecidos agentes propagandísticos espalhados pela comunicação social. Aí vai: o turismo está óptimo, as exportações estão em grande, a inflação tende a diminuir, o crescimento económico está para além do previsto e a dívida pública diminuiu. Curiosamente, se excluirmos o sector do turismo, e juntarmos as loas às “contas certas”, percebe-se que a propaganda socialista recorreu àqueles que eram os melhores instrumentos da propaganda do salazarismo e do marcelismo, ou seja, enquanto o Estado enche os cofres, Portugal continua a definhar, mantendo-se, portanto, entre os países menos desenvolvidos da Europa e os portugueses entre os mais pobres. Mas, também, com um ensino elitista, uma saúde onde os ricos melhor se safam, os jovens qualificados emigram e os que permanecem no país não têm habitação condigna. Por outro lado, a banca lucra milhões e os juros do crédito à habitação tornaram-se insuportáveis para numerosas famílias. Ora, como são possíveis tamanhas contradições? Foi esta a pergunta implícita nas palavras do Presidente, para quem o quis entender, apenas lhe faltando referir o que, para todos, para além de óbvio, até já passou a motivo de mofa – o basismo deste governo e a generalizada incompetência, para além de outras pesadas atribulações que lhe estão acometidas.

Quanto ao resto, TAP, SIS, meninas e meninos birrentos que povoam os ministérios, computador, mentir descaradamente ao povo, cenas nocturnas de pugilato nos gabinetes ministeriais, os filmes de polícias e ladrões, bem como outras diatribes do passado que estas de agora tendem a fazer esquecer são apenas as arvorezinhas que escondem a imensa podridão que grassa na floresta.

O que sucedeu, sucede, e assim continuará sucedendo são situações e comportamentos políticos em catadupa, autênticos descalabros que corroem e minam a democracia, sem que ninguém, pelo caminho, tenha tido, ou tenha, a coragem política para colocar um travão.

O país há muito paralisou e não dá sinais da desejada reanimação à boleia da conjuntura económica favorável e de uma maioria absoluta que tinha todas as condições para criar estabilidade, não fosse o PS um saco de gatos. Mas será só incompetência e desnorte, ou estaremos, de novo, perante uma manipulação de números? Estará a situação económica do país diferente daquela que nos é apresentada? Exemplos de um passado não muito longínquo permitem que, no mínimo, duvidemos. Habituaram-nos…

O estado a que o país chegou exige clarificação urgente, porque os portugueses, sobretudo os mais vulneráveis, os milhões de pobres, os discriminados pelo estado do ensino, da saúde, pelos baixos salários e pensões, bem como os da classe média, que todos os dias engrossam a fileira dos pobres, não podem continuar à mercê dos impasses gerados por políticos medíocres.

O Presidente da República, e à semelhança de alguns dos seus antecessores, embora desta vez com crise agravada, passou, de um momento para o outro, a fazer parte do problema institucional, do impasse, e não a constituir um contributo para a sua solução, isto quando a tão propalada cooperação institucional se revelaria, agora, verdadeiramente indispensável.

O fim da normal relação institucional entre o Primeiro-ministro e o Presidente da República reduziu, substancialmente, o espaço de manobra deste, acabando por colocar nas suas mãos, como única alternativa para a reposição do funcionamento normal das instituições, a dissolução da Assembleia da República. Por mais quanto tempo vai e pode o país arrastar-se no limbo? A clarificação é urgente, porque importa impedir que as instituições se degradem ainda mais, abrindo alas para o avanço dos extremismos populistas.

Não se pode, porque é mau para a vida dos portugueses, adiar por muito mais tempo a resolução dos graves problemas que os afectam, com a justificação de que, por este ou aquele motivo, as circunstâncias não aconselham eleições antecipadas. Isto significa estar à mercê dos critérios e da vontade de alguns, de interesses e jogos de poder, que assim se substituem ao veredicto popular.

A democracia, não sendo perfeita, é o melhor dos regimes, também porque nos períodos de crise sistémica, como são os que atravessamos (haverá outros piores?), abre sempre as portas à devolução da palavra ao povo. Ainda que este possa, eventualmente, com o seu voto, alterar pouco, ou nada, o estado das coisas. Mas é preciso que a democracia se exerça para que, pelo menos, nos possa retirar deste prolongado estado de “coma induzido” em que o país teima em viver.

Luís Bastos