Este velho dispositivo, situado a poucos metros de uma vizinha chaminé que assinala o espaço, hoje inóspito, onde existiu a Fábrica da Baleia, em São Vicente Ferreira, estava ao abandono, ameaçado de destruição total. Há poucos dias, levaram o antigo guincho, retiraram-lhe a ferrugem, e foi objecto de pintura de conservação. “Obra de fachada”, disseram alguns, “para eleitor ver”, comentaram outros… O importante, porém, é que foi reposto, como se pode observar na foto acima, e, portanto, não se lhe perdeu o rasto (o que já não é mau), nem foi cedido ou oferecido a algum dos museus ou fábricas que souberam, aliás, manter bem viva, felizmente, em algumas das nossas ilhas, a memória identitária da baleação.
Ao longo do tempo, as populações das freguesias de São Vicente Ferreira e Capelas foram ludibriadas com sucessivas promessas, por sucessivos governos e autarcas, e, por fim, maltratadas com a decisão de demolição total das ruínas da antiga fábrica, sem um projecto alternativo de recuperação ou, sequer, uma ideia! O património imóvel da baleação, na ilha de São Miguel, foi, assim, primeiro, desprezado e, depois, banido, como se um branqueamento intencional estivesse reservado a um modesto, mas historicamente valioso ciclo socioeconómico daquela ilha. Mas, nem isso! Antes se tratou do torpor de uns, por pura aversão à cultura (escondendo, quiçá, outros interesses…), e da determinação de outros, na defesa dos seus “bairros”, onde a tradição baleeira foi e é alvo de respeito e admiração.
Ao arrepio da vontade de vicentinos e capelenses, recusou-se, pois, honrar a memória dos pescadores e respectivas famílias, cujo ganha-pão, em tempos de pobreza severa e desesperança, passava por enfrentar as imensas adversidades de uma pesca de contornos épico-dramáticos.
Mas, e ao que tudo indica, este malfadado espaço onde se situava a Fábrica da Baleia – atente-se, abaixo, aos “links”, para o jornal “Correio dos Açores” – é, agora, cenário de outras cobiças, a gerar novas e acesas controvérsias a seguir com atenção.
Que compromissos já existiriam firmados entre o Governo dos Açores, em 2019, e a empresa interessada na construção de um hotel de dimensões consideráveis para aquela zona? E como decidirão os órgãos de Governo próprio da Região, face a uma petição pública, intitulada ‘Salvar a Falésia’, que obteve mais de 500 assinaturas opondo-se, fundadamente, à construção de dois hotéis na referida zona?
“Hoje, mais do que nunca, sabemos que a apologia do Turismo em massa em nada irá garantir o bem estar social ou ambiental da Região”, pode ler-se no texto da petição.
Ora, a escolha, aparentemente simples, é: turismo em massa, ou salvaguarda do bem-estar social e ambiental da Região? Eis uma decisão que dará a conhecer muito acerca das opções do sector político maioritário deste governo. Ou seja, social-democracia ou neoliberalismo?
Links:
Abaixo, ainda, um vídeo produzido pela RTP, que constitui um exemplo, entre outros existentes nos Açores, do que devia e podia ter sido feito pela conservação e valorização do património material micaelense.
Luís Bastos
Onde a vaga retumba eram as obras do porto:
Roldanas, guinchos, cais, pedras esverdeadas
E, na areia da draga, ao sol, um peixe morto
Que vê passar na praia as damas enjoadas.
A cidade? Esqueci. Um poeta é sempre absorto;
De mais a mais – talvez paragens abandonadas.
O que é certo é que entrei um dia naquele porto
Em que as próprias marés parecem arrestadas.
Porque a mais leve luz que se embeba na Barra
Embacia os perfis dos cais e dos navios
Em frente à linha do horizonte que se perde…
E um desconsolo, um não-partir paira nos pios
Das gaivotas sem céu que o vento empluma [e agarra
Estilhaçando o arisco mar de vidro verde.
Vitorino Nemésio, Azorean Torpor