Vai aí grande polémica com a vacina anglo-sueca AstraZeneca. Há países que a usam, outros que hesitam e outros que não a aplicam. O Reino Unido, por exemplo, declarou, na semana passada, ter atingido a imunidade, sendo que aquela vacina, cujo centro de investigação está sedeado naquele país, na cidade de Cambridge, foi das mais utilizadas. Sucesso retumbante, embora ninguém saiba ainda, ao certo, e em termos de saúde pública, que futuro está reservado a um país com a população imunizada num mundo globalizado. Já o outro parceiro da AstraZeneca, a Suécia, resolveu suspender, recentemente, a administração da vacina.
Porquê estas hesitações, estes avanços e recuos que temos vindo a assistir, igualmente, em muitos outros países (incluindo Portugal), não só com esta mas, também, com outras vacinas, como é agora o caso da Johnson & Johnson?
No que respeita à da AstraZeneca, a Agência Europeia do Medicamento (EMA) registou trinta casos de tromboembolismos, nem todos mortais, em cinco milhões de vacinados. Não obstante esta possibilidade de morte, somos aconselhados, pelos cientistas, a tomá-las, pois é sempre melhor do que recusá-las, já que são por demais evidentes as vantagens, se comparadas com o muito reduzido número de casos fatais por inoculação da vacina.
Na mesma linha de orientação, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reafirmou que os “benefícios da vacina da AstraZeneca superam os riscos.” E foi seguindo esta indicação que os britânicos se imunizaram. E tudo isto parece lógico.
Então, por que motivo há países a suspender a vacinação ou a condicioná-la a determinados escalões etários? Por que não existe unanimidade em torno desta questão que parece tão óbvia?
Para além do facto de nem sempre as comunidades científicas estarem de acordo sobre um mesmo assunto, não estamos na presença de uma decisão tomada, apenas, com base em critérios científicos. Em boa medida, trata-se de uma escolha moral. E, de facto, certos tipos de decisão, às quais não podemos escapar, e, dependendo dos valores em causa (neste caso podem ser vidas humanas), não são fáceis de tomar.
Imagine o leitor que há fortes possibilidades de determinada vacina causar a morte de pessoas, ainda que se trate de uma minoria. Acha que se deve, mesmo assim, proceder à inoculação da mesma? Dito de outro modo, considera que matar alguns, para colocar a salvo a maioria, é cometer uma acção boa, logo, moralmente correcta? Será que os meios justificam os fins?
A resposta a esta questão, qualquer que ela seja, traduzirá sempre o que dita a consciência moral. Para uns, e desde que esteja em jogo a vida de uma única pessoa, a vacina deverá pura e simplesmente ser suspensa, até que surjam garantias de que ninguém correrá riscos. Para quem defende tal procedimento, só esta acção é, do ponto de vista moral, a correcta. Deveremos agir, em qualquer circunstância, de acordo com aquilo que são os nossos deveres morais, ditados pela nossa consciência e que todos sabemos quais são: não roubar, não mentir, não matar, etc.. Só é moral a acção que respeita o dever, sem olhar para as consequências. O dever pelo dever. Ponto final.
Já outros estão alinhados com os que defendem que se deve julgar as acções como moralmente certas ou erradas em função, exclusivamente, das suas consequências. E aqui o critério passa a ser o da felicidade. Bom é todo o acto que promove a maior felicidade do maior número de pessoas.
No caso das vacinas, como em muitos outros, os decisores políticos encontram-se, muitas vezes, confrontados com o chamado dilema moral. O Reino Unido resolveu-o imunizando a população porque escolheu não suspender vacinas. Seguiu o princípio da maior felicidade para o maior número. Outros países escolhem esperar por melhor clarificação científica, para que ninguém seja sacrificado, mas atrasando, irremediavelmente, o processo de imunização das suas populações. De que lado está o leitor?
Não, não há terceira via, nem para este, nem para qualquer outro assunto sério das nossas vidas que exija uma decisão ponderada.
Luís Bastos
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