Estamos em segurança? Podemos confiar?

“Jornal de Notícias” – Ilha de São Miguel, 25 de Junho de 2021

Este artigo é uma republicação. Escrevi-o em Fevereiro de 2020, já lá vão um ano e quatro meses. Ao fazê-lo, o meu objectivo é o de alertar para uma vigilância que se quer mais activa e eficaz, por parte das entidades competentes, de modo a que intervenções atempadas possam evitar, no futuro, graves prejuízos e mais vidas ceifadas.

Quando publiquei pela primeira vez este artigo, era também movido pelo desejo, que se mantém, de podermos circular em liberdade e em segurança por esta(s) ilha(s), em trabalho ou em lazer. E parecia-me, tal como me parece agora com maior evidência, que o estado geral das nossas estradas deixa muito a desejar, reclamando prioridade urgente em termos de investimento público. Até porque é deste que também dependerá o privado, sobretudo, no turismo.

Na republicação que se segue (repito que o texto é de Fevereiro de 2020), salvo ligeiras alterações de forma, só as imagens são outras.

Quando chove fortemente, e algumas vezes com persistência, principalmente nos meios rurais, tomam-se as devidas precauções para evitar prejuízos maiores. Mesmo assim, quando a borrasca aperta, o ímpeto da água das chuvas e as fortes ventanias acabam por provocar sérios danos, sobretudo, nos bens e nos haveres das populações atingidas, directamente, pela violência da natureza, ou, como depois se vem a saber, por incúria na  limpeza das ribeiras e outros cursos de água.

Esta imagem tem um texto alternativo em branco, o nome da imagem é alusiva_Igreja-de-S%C3%A3o-Roque-fechada-por-precau%C3%A7%C3%A3o-devido-a-derrocada-no-adro_0_dr_ia_600-400.jpg
info@igrejaacores.pt – Ilha de São Miguel, 17 de Dezembro de 2015

A orografia da ilha de São Miguel, como, aliás, de todas as ilhas dos Açores, presta-se a que, em muitas zonas, as estradas atravessem ribeiras e grotas como se de pequenos viadutos se tratassem e sem que disso nos apercebamos. Os taludes que suportam as ribanceiras que delimitam as rodovias frequentemente cedem, e as derrocadas acontecem. Estas, nas falésias, de quando em vez também surpreendem.
A nossa História regista, infelizmente, tragédias humanas resultantes de situações como estas. Umas antigas, outras mais recentes.

Mau tempo nos Açores [Foto: Lusa]

 

“TVI 24” – Ilha de São Miguel, 11 de Maio de 2015

O desenvolvimento do turismo provocou um substancial aumento da circulação rodoviária de autocarros de consideráveis dimensões, bem como de um inusitado número de automóveis de aluguer.

Confirmadas três vítimas mortais de derrocada nos Açores

Por outro lado, é notório o incremento da circulação de camiões de transporte de mercadorias em grandes contentores e de pesada maquinaria agrícola como consequência da crescente mecanização da agricultura.

Diariamente, centenas de viagens são, ainda, efectuadas por toda a ilha, pelos autocarros de passageiros e pelos que estão ao serviço dos transportes escolares.

Nova derrocada em S.Miguel

 

“RTP” – Ilha de São Miguel, 18 de Março de 2013

Também uma extensa rede de trilhos pedestres é percorrida por um número cada vez mais elevado de caminhantes e, como ainda esta semana foi noticiado, só no ano passado (2019), duzentas mil pessoas visitaram o miradouro (norte) da Lagoa do Fogo e cinquenta mil desceram esta lagoa pelo trilho com início naquele mesmo miradouro. A situação em vários outros pontos da ilha, onde a beleza da natureza pode ser contemplada, não deverá ser muito diferente.

O mau tempo tem assolado os Açores nos últimos dias

 

“Correio da Manhã” – Ilha de São Miguel, 14 de Março de 2012

Este surto de desenvolvimento turístico implicou, necessariamente, alterações em alguns aspectos fundamentais da tradicional e pacata vida insular, com inegáveis vantagens para a economia. Deixemos, no entanto, para outra ocasião as desvantagens e os muitos desafios com que teremos de nos defrontar ainda.

Imagem: DROTRH

 

http://www.azores.gov.pt – Ilha de São Miguel, 13 de Fevereiro de 2010

Por agora, a nossa preocupação é outra.

Engenheiros, geólogos e outros técnicos há que conhecem bem estas ilhas, os seus solos, a vulnerabilidade destes e as suas zonas mais críticas. Por eles sabemos que muitos acidentes são imprevisíveis e que não é possível uma monitorização ao minuto das situações que os potenciam.

Acidente com autocarro em São Miguel (foto Câmara Municipal do Nordeste)

 

“TVI-24” – Ilha de São Miguel, 1 de Março de 2010

A questão consiste, todavia, em saber se aquelas zonas estão, ou não, devidamente identificadas e mapeadas pelas entidades oficiais responsáveis; se as novas circunstâncias, já descritas, se traduzem, ou não, em abordagens distintas das tradicionais, colocando, por exemplo, mais gente no terreno de modo a permitir uma maior vigilância sobre o estado das infraestruturas existentes; ou se existe, ou não, colaboração estreita com a Universidade dos Açores que, para o caso em apreço, se revelaria de extrema utilidade.

Os incidentes têm ocorrido, nos últimos anos, com alguma frequência, causando, por vezes, vítimas mortais. Não afirmo que estas poderiam ter sido evitadas. Mas, dadas as características peculiares dos elementos naturais nas nossas ilhas, é urgente que o sentimento de segurança prevaleça e que seja assumido, publicamente, como preocupação acrescida por parte da autoridade competente, para tal agindo, no terreno, em conformidade, e em nome das populações bem como de todos aqueles que nos visitam.

Luís Bastos

A democracia infectada

Há já alguns anos que em Portugal se vivem tempos de crise de autoridade democrática, por parte das instituições que são o garante da segurança e da liberdade dos cidadãos, bem como manto protector da própria democracia e dos seus inúmeros inimigos. O Estado está frágil, vulnerável, permissivo, corrupto.

São muitos os exemplos recentes, os mediáticos e os quase já esquecidos, das mais diversas estirpes, todos de extrema gravidade. São casos como os dos infecciosos “Furacão”, “Face Oculta”, “Parque Escolar”, “Marquês”, a tragédia humana de Pedrógão, “Tancos”, “Novo Banco”, “Rui Pinto”, “SEF” (onde foi assassinado um cidadão estrangeiro nas suas instalações do Aeroporto de Lisboa); a prática, ao que tudo indica recorrente, de delação de exilados e refugiados políticos a viverem em Portugal às embaixadas; a violação de direitos fundamentais, envolvendo casos de racismo e xenofobia; ou a surpreendente aprovação pela Assembleia da República de uma lei que, com a intenção de combater as fake news, introduz, subrepticiamente, o controlo e a censura na informação, ainda que sob a distinta capa de “Carta dos Direitos Humanos na Era Digital”.

Mas o vírus que mais preocupa a saúde da democracia é o estado geral de acomodação dos cidadãos a este “novo normal” da vida política, sem um sobressalto, sequer, de consciência cívica. É difícil encontrar um governo tão mau, sobretudo, em sectores como a Administração Interna (onde quase tudo corre de forma atabalhoada, com laivos, até, de comicidade circense e em prejuízo do Estado de Direito), a Educação (que só fala de saúde, quando fala), a Ciência (que não está neste mundo e só promete para ir calando), ou os Negócios Estrangeiros (especialista em piada brejeira e em tomar o povo por tolo).

Por outro lado, até a capacidade em se regenerar, remodelando, como é costume acontecer em governos onde o desgaste é notório e se cortaram as pontes de diálogo com os cidadãos, parece perdida. O Governo desresponsabilizou-se. Tenta gerir mas não governa.

Apesar de todo este cenário, não me lembro de uma oposição tão frouxa. Na verdade, os argumentos não faltam, mas, pior ainda vão as coisas quando o líder do maior partido da oposição é convidado a pronunciar-se sobre os problemas do país. As críticas, que até por vezes são contundentes, logo se evaporam, visto não apontarem medidas alternativas, falhando, assim, em credibilidade. Este PS e este PSD cada vez mais diferem tão só pelas suas referências fundacionais e pelos episódicos achaques no calor do romance ideológico ocorrido no período de consolidação da democracia.

O “nacional-centrão” tornou-se num enorme asilo dos interesses corporativos instalados geridos, alternadamente, pelas hostes tecnocráticas predominantes em ambos os partidos com poderosas ramificações na sociedade civil. Os projectos e as convicções, a inserção nas grandes correntes do pensamento político, a acção visando, enfim, o progresso e bem-estar colectivos foram, paulatinamente, reduzidos a cinzas.

Expresso | O plano de Costa para a "bazuca" europeia mudou. Os grandes  números e as medidas que, afinal, podem ser por empréstimos

A constatação de que é neste terreno pouco confiável que Portugal receberá da Europa astronómicas (“robustas”) quantias de dinheiro para a recuperação económica não deixa de causar arrepios nos mais cépticos mas, também, nos optimistas, como o Presidente da República, que já tratou, não obstante, de fazer um “aviso à navegação”.

La lucha política y la disputa partidaria - Autoformación y Empoderamiento

Não por acaso, os movimentos a favor de candidaturas autárquicas à margem dos partidos têm vindo a ganhar expressão e são pedras nos sapatos dos partidos, sem excepção. O slogan da candidatura independente às eleições na cidade do Porto foi, e é, “O nosso partido é o Porto”. E não vale a pena persistir na ideia de que se tratam de eleições com contornos muito diferentes das legislativas. Nos tempos que correm, o que deve ser relevado é que os cidadãos cada vez menos se revêm nos actuais partidos e de tal modo assim é que afirmações como esta já se tornam fastidiosas.

Populares - Toda Política

Num estudo muito recente, “Os valores dos Portugueses”, realizado pelo Instituto de Ciências Sociais e apoiado pela Fundação La Caixa e a Fundação Gulbenkian, é revelado que apenas 37% dos portugueses recusa ser governado por um regime autoritário! Há poucos anos, ninguém admitiria esta possibilidade e, hoje, talvez não haja quem, entre os dirigentes políticos, tenha a coragem suficiente para retirar as devidas ilações sobre as conclusões deste estudo. Empurra-se com a barriga para a frente, como se costuma dizer.

Mas se quisermos aprender as lições da História, devemos ter em atenção que, se os cidadãos se mobilizam, hoje, em torno de candidaturas independentes (dos partidos) às autarquias, e se 37% até nem se importaria de viver sob um regime autoritário, então, não estará muito longe o dia em que nas eleições para a Assembleia da República eles possam mobilizar-se em torno do slogan “O nosso partido é Portugal”, com a revisão constitucional já feita ou, não o conseguindo, sob a forma de “Partido-Movimento”, o que é usual em situações do género…

Luís Bastos

Tensões Atlânticas

Nesta semana que passou, os órgãos de comunicação social, de uma maneira geral, fizeram eco dos trabalhos de uma equipa de investigadores da Universidade dos Açores, do Centro de Investigação OKEANOS, que resultaram numa descoberta, a juntar a muitas outras que ao longo dos anos, e apesar dos parcos recursos, têm contribuído para o prestígio nacional e internacional da Universidade. “Nós descobrimos zonas que podem ser comparadas às florestas de sequoias que existem nos Estados Unidos”, revelou Telmo Morato, investigador do OKEANOS, durante uma conferência de imprensa realizada na cidade da Horta, na ilha do Faial, para apresentação dos resultados de uma campanha oceanográfica realizada a bordo do navio holandês “Pelagia”, durante as últimas duas semanas.

“Descobrimos e encontrámos coisas que já não pensávamos encontrar nos Açores nesta altura, como os grandes jardins de corais negros, que podem viver vários milhares de anos”, realçou aquele investigador, considerando que este projeto “tem sido muito benéfico para a comunidade oceanográfica”.

Jardins de corais e esponjas no mar profundo dos Açores (OKEANOS).

Ainda segundo aquele investigador, as primeiras análises demonstraram que estas áreas do mar profundo, associadas à Crista Médio Atlântica, são zonas de “grande produtividade, que albergam grandes densidades de organismos e uma biodiversidade muito grande”. Estão de parabéns, pois, os nossos cientistas que, muitas vezes nas condições mais adversas, prosseguem com êxito as suas investigações.

Entretanto, o Ministro Manuel Heitor, responsável pela ciência e pelas universidades, marcou presença europeia, a partir dos Açores, na conferência “All-Atlantic 2021”, que se realizou em Ponta Delgada entre os dias 2 e 4 de Junho, para falar sobre o espaço sideral e sobre o mar soberano. Heitor é, entre nós, conhecido pela sua indisfarçável paixão pela Malbusca (uma espécie, por enquanto, de “Cabo Canaveral” da “Chicco”…) e também por não cumprir com compromissos financeiros assumidos com a Universidade dos Açores, mantendo-a num apertado e permanente garrote.

All Atlantic

Segundo informação da Agência Lusa do passado dia 4 de Junho, o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior lançou a “Declaração dos Açores”, “orientada para o cidadão” e visando “compreender melhor” a relação entre o oceano e o clima, tendo afirmado que “precisamos cada vez mais de uma abordagem orientada para o cidadão […] de modo a atrair populações de norte a sul, de leste a oeste do Atlântico para esta questão das interações oceano-clima, fazendo uso dos melhores métodos de observação”. Enquanto o Ministro proferia estas e outras não menos bombásticas afirmações, o Governo publicava no “Diário da República” a Resolução n.º 68/2021, de 4 de Junho, que aprova a Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030. Neste diploma pode ler-se:

“persistem os desafios na governação do oceano e das zonas costeiras, nomeadamente, para encontrar soluções políticas eficazes e coerentes para melhor agilizar as competências partilhadas pelo Estado e as Regiões Autónomas, no que respeita ao ordenamento e à gestão do espaço marítimo”.

Ora, estes “desafios na governação do oceano” têm a ver, obviamente, com os tristes episódios sobre a “Lei do Mar” que, no final de 2020, tiveram como palco a Assembleia da República. Assim, a proposta, que então partiu da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, depois de aprovada pelo Parlamento nacional e integrando já alterações na sequência de veto político do Presidente da República (que entendeu que a lei deveria dar maior destaque ao princípio da integridade e da soberania nacional sobre a gestão do mar…), acabou por passar, com os votos do PS, dos deputados do PSD Madeira e Açores, do PAN, e da Iniciativa Liberal. PSD, Bloco de Esquerda, CDS, PCP e PEV abstiveram-se na votação da proposta açoriana. Porém, contra a versão final do diploma votaram o deputado do Chega, André Ventura, e os deputados socialistas Ana Paula Vitorino, Sérgio Sousa Pinto, Isabel Moreira, Ascenso Simões, José Magalhães, Alexandre Quintanilha, Marcos Perestrello, Jorge Lacão e Pedro Bacelar de Vasconcelos, entre outros. Consideraram estes, entre outras obscenidades, que “o diploma cria uma fractura na soberania nacional ao criar um conceito específico de território autónomo designado ‘mar dos Açores’, que transforma o ‘mar Português’ em matéria de ordenamento e gestão, num somatório de três espaços marítimos, o dos Açores, o da Madeira e o do Continente”. Nem mais! E, vai daí, num total de 38, logo correram para o Tribunal Constitucional aqueles e outros deputados, como os social-democratas Luís Marques Guedes e Fernando Negrão, ou António Filipe, do PCP, requerendo a fiscalização sucessiva abstracta da constitucionalidade de certas normas ínsitas naquela Lei! Aguardemos que, por cá, alguém preocupado com a situação aja em conformidade, isto é, reivindique, proteste, se indigne, enfim, ponha o dedo no ar, qualquer coisa…

Foto Aninhas Gomes

O torpor parece ter tomado conta das hostes. Questionar, por agora, é apenas desconfortável, e deixa-se para outros o que aqui pode e por nós deve ser feito. A ausência de coordenação e capacidade de liderança no sector da saúde, em situações críticas como a que atravessamos, expôs a Região a tremendas fragilidades, e fez vacilar, ainda mais, o conceito de auto-governo que se pretende forte e coeso. As consequências, essas, não se fizeram esperar, e da ideia peregrina (reveladora de total ausência de tato político) de importar vacinas da diáspora à demonstração da soberania musculada, num misto de autoridade exercida à civil ou de uniforme, foi um pequeno mas elucidativo passo. Para o bem da saúde dos açorianos, bem sei…

Mas se não formos determinados, fechando os flancos com as leis que a Autonomia já nos faculta, ou, então, revendo-as, se necessário, naquela como noutras áreas, amanhã o Leviatã reaparecerá para nos “tratar da saúde”, assenhoreando-se das riquezas do nosso mar, impedindo uma revisão justa da Lei das Finanças Regionais, ou barrando a criação de um círculo eleitoral nas regiões autónomas para as eleições europeias. 

Luís Bastos