Na semana que passou, o universo deixou-se mostrar, um pouco mais, na sua beleza infinita de incomensuráveis e fascinantes mundos, só agora avistados pela maravilha tecnológica que é o James Webb. Estes “novos” mundos, porém, e apesar da proeza do génio humano, já não existem.
Ou, a existirem, porventura, serão algo de diferente, de muito diferente daquilo que foi captado pelo extraordinário telescópio. As imagens que nos chegam têm, na realidade, milhares de milhões de anos, já que é este o tempo gasto pela luz daqueles astros galácticos até que chegue à Terra, tão distantes estamos deles, e mesmo com a luz a viajar à velocidade de 300.000 Km/s!! Mas é o que há, e não se sabe se conseguiremos melhor, pelo menos enquanto pensamento (espírito) e extensão (matéria) constituírem os únicos e toscos atributos de que dispomos para entender o que nos rodeia.
Foi Bento de Espinosa, filósofo monista para quem Deus e a Natureza são a mesma e única coisa, a totalidade do que existe, uma Substância única (Deus sive natura), quem admitiu que o conhecimento que temos do mundo é ínfimo porque dos infinitos atributos que constituem aquela Substância (infinita) Deus/Natureza, apenas aqueles dois, pensamento e extensão, nos são acessíveis. Quer isto dizer que, na infinitude daquela substância única, outros atributos possivelmente existirão e a eles recorreremos quando acontecer manifestarem-se, para entender melhor o que é mistério no universo, hoje indesvendável, mercê, digamos, deste, por enquanto, “deficitário equipamento mental” de que dispomos.
Por isso, ninguém ousará afirmar ser impossível que um dia se conheçam as imagens destas galáxias em tempo real, ou quase. Estas, as de agora, tão (e bem) festejadas, contam já com 13,5 mil milhões de anos de permeio. No tempo presente, fotografamos as galáxias, tal como eram no passado longínquo, o que até se poderá traduzir em vantagens para o conhecimento da origem e da evolução do universo. E apesar desta nossa extensão de humanos com dimensões de um grão de grão de pó no espaço incomensurável, conseguimos regozijarmo-nos com estas façanhas, e ainda bem, uma vez que mais não visam do que manter vivo o desejo, essa potência indomável, força vital responsável por tudo o que fazemos e por tudo o que conhecemos, ou julgamos conhecer…
O pensamento racional nasceu não há muitos dias, ali pelos séculos VI e V antes da nossa era, nas cidades gregas da Ásia Menor e em Atenas. Tratou-se, talvez, da maior disrupção alguma vez operada no seio da nossa espécie. Este fenómeno, esta nova forma de reflexão sobre a natureza, enfim, o lógos, comummente associado à filosofia, ao advento do saber, sem o suporte da narrativa mitológica, e a que muitos chamam de “milagre” grego, ditou as matrizes do pensamento e da civilização ocidentais, em todas as suas dimensões, perdurando nos nossos dias. De facto, e se compararmos com algumas das distâncias já aqui aludidas, os 2500 anos que nos separam do século V são um muito significativo nada… Volvido este tempo, pensamos segundo as mesmas regras lógicas sobre tudo, das ciências da natureza à política, da ética à estética. Continuamos a espantarmo-nos e a emocionarmo-nos com as mesmas coisas que espantaram e emocionaram Heraclito, Protágoras, Platão ou Aristóteles. Continuamos à procura do mesmo, a fazer as mesmas perguntas e continuamos a não obter as respostas fundamentais por que tanto almejamos.
É possível que outra forte disrupção esteja já aí em esboço a partir de novas dinâmicas geradas pelas alterações climáticas, pelas migrações, pela revolução digital e das comunicações – responsável, entre outras, por uma das maiores invenções de sempre, a internet -, pelo fim da utilização dos combustíveis fósseis, como o carvão mineral ou o petróleo, pelas viagens, cada vez mais rotineiras, ao espaço e pelo colapso dos pilares tradicionais da coesão política e social.
Enfim, andamos com um estranho mundo às voltas, e um sentimento de insegurança generalizado é já indisfarçável. À maneira do “milagre” grego, que descobriu o espírito, o “milagre global” poderá desvendar algum ou alguns dos outros “atributos” imaginados por Espinosa, os quais, quem sabe, irão equipar-nos melhor em termos de capacidade cognitiva, contribuindo, assim, para que este nosso mundo se nos afigure menos ilusório e um pouco mais adequado àquilo que poderá ser a sua realidade.
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