Torpores de Verão (soltos)

1. Os Estados Unidos da América vivem tempos politicamente complicados. É imprevisível o que possa vir a acontecer nas eleições intercalares de Novembro próximo (onde se decide o controlo das duas câmaras do congresso) e, depois, nas presidenciais de 2024. Os índices de popularidade do Presidente Biden permanecem baixos e uma elevada percentagem de norte-americanos não o quer a concorrer a um segundo mandato.

O fantasma de Trump persiste, e uma América pouco amiga das liberdades, da “Velha Europa”, da NATO e dos Direitos Humanos, que o trumpismo personifica, poderá voltar, a curto prazo, à cena política internacional, agora bem mais complexa e perigosa.

Se tal vier a verificar-se, e uma efectiva solução de paz não for, entretanto, encontrada para o conflito na Ucrânia, não é de excluir que na liderança do país mais poderoso da NATO esteja, de novo, o amigo que Putin uma vez ajudou a ser Presidente. Nessa altura, o mundo mudará mesmo, derrotando todos aqueles que, ingenuamente, apostavam na Covid-19 como poderoso agente de mudança…

2.

“Problemas de comunicação” foi a justificação preparada e divulgada, oficialmente, pelo Ministro Santos e pelo Primeiro-Ministro Costa sobre a trapalhada em que se envolveram a propósito do desvendamento precoce de um segredo (?) relacionado com a localização de um aeroporto. A justificação dada é, porém, uma mentira, uma “nobre mentira” e tudo o mais que se sabe e que foi já exaustivamente comentado são, apenas, interpretações políticas, e até psicológicas, entre muitas outras possíveis: traição, humilhação, desobediência hierárquica, quebra do dever de lealdade, protagonismo exacerbado, comportamentos transviados do putativo candidato a Primeiro-Ministro, etc, etc.. Um dia se saberá o que ficou preso nos ocultos meandros do poder, ou talvez nunca.

E à pala destes desaguisados nos bastidores do poder, recorro a um curto mas elucidativo excerto de uma página da célebre e já clássica obra “O Futuro da Democracia”, do cientista político do século XX, Norberto Bobbio (Itália,1909-2004): “Quando não se pode evitar o contacto com o público coloca-se a máscara. Nos escritores da razão de Estado, o tema da “mentira” [mendacio] é um tema obrigatório, assim como é obrigatória a referência à “nobre mentira” de Platão. Torna-se communis opinio (consensual) que quem detém o poder e deve continuamente resguardar-se de inimigos externos e internos tem o direito de mentir, mais precisamente de “simular”, isto é, de fazer aparecer aquilo que não existe, e de “dissimular”, isto é, de não fazer aparecer aquilo que existe”. Torna-se óbvio que este Governo segue, absolutamente, aquilo que muitos cientistas políticos e filósofos escreveram sobre a razão de Estado, bem como acerca do papel que neste ocupa a mendacio por parte de quem detém as rédeas do poder.

3.

António Costa e Silva

Há sensivelmente dois anos (2020/08/18), escrevi neste blogue um artigo intitulado “A grande Universidade do Professor Costa e Silva e outros mistérios do Atlântico”, onde transcrevia as seguintes afirmações do então coordenador da “Visão Estratégica para o Programa de Recuperação Económica e Social de Portugal 2020-2030”:

“O país deve criar uma grande Universidade do Atlântico e um centro de previsão do clima, atraindo parceiros internacionais para os Açores, que é um dos melhores sítios do mundo para estudar a interacção entre o oceano e a atmosfera, a terra e o ar, e esse conhecimento é valioso porque pode prevenir e mitigar a ocorrência de fenómenos climáticos extremos, quando as mudanças estruturais de combate às alterações climáticas e o avanço na descarbonização da economia ainda não estão a surtir efeito. O mar é ainda uma fonte de riqueza económica, pois pode dinamizar toda uma fileira de novos polos de actividade económica, das biotecnologias às ciências da saúde, da cosmética ao aproveitamento sustentável de alguns recursos minerais estratégicos”.

Esta semana, Costa e Silva, agora na qualidade de Ministro da Economia e do Mar, numa visita aos Açores, e depois de uma audiência com o Presidente José Manuel Bolieiro, reiterou tudo o que disse há dois anos, acrescentando, ainda, que:

“A Universidade do Atlântico é para atrair, sobretudo, grandes corporações internacionais, investigadores e universidades. Atrair o melhor que há no conhecimento científico para potenciar toda a investigação na área do Atlântico”.

Mais disse o ministro visionário, entre outras loas aos Açores e às suas potencialidades, que:

“aquela universidade estaria associada à Universidade dos Açores e a outras instituições nacionais e internacionais para “investigar os oceanos”, a “interação com a atmosfera” e “posicionar o pensamento para o combate às alterações climáticas”; “Já temos grandes instituições científicas nos Açores. Os Açores são uma referência mundial na área da vulcanologia e investigação oceanográfica. Seria potenciarmos todo esse ‘cluster’.

Os açorianos em geral, e muito especialmente a comunidade científica, têm razões para rejubilar de alegria com as palavras do Sr. Ministro. Todavia, a verdade é que não passam disso mesmo – palavras. São opiniões ou juízos de intenção que servem, tão só, para alimentar um belo sonho de Verão. Uma mão cheia de nada enquanto não se traduzirem em compromissos assumidos (e honrados) com todas aquelas entidades e instituições que, nos Açores, necessariamente, integrariam um projecto de tal envergadura, como é o caso da Universidade dos Açores (e com que estatuto) ou da Secretaria local, agora, guardiã da Gaia Ciência.

Hoje, por cá ainda todos recordamos Heitor e as suas promessas foguetórias na Malbusca, em Santa Maria, e outros devaneios, como os compromissos assumidos com a Universidade dos Açores e nunca honrados. Elvira Fortunato, Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior que o diga. A propósito: estará a Sr.ª Ministra ao corrente da eloquente retórica do seu colega sobre a “Grande Universidade do Atlântico” e outros exotismos? E dos enredos sobre a “soberana” Lei do Mar?

Luís Bastos

Autor: Luís Bastos

Licenciado em Filosofia; Mestre em filosofia contemporânea. Interesses: filosofia e ciência politica; ética; filosofia da ciência; artes; história; património cultural. Blogue: azoreantorpor.wordpress.com

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