I’m Back!

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Não, Mota Amaral não vai candidatar-se, pelo menos para já, a qualquer cargo político regional, nacional ou internacional. Nem é isso que se pretende insinuar com o título encimado. Como se sabe, foi afastado das linhas da frente política pelos actuais dirigentes do partido que fundou e de que foi, nos Açores, líder incontestado. Nesta condição, governou as ilhas cerca de vinte anos. Depois, foi eleito deputado pelos Açores à República, em sucessivas eleições, tendo ainda exercido o cargo de Presidente da Assembleia.

Mas os  “mestres” da política sabem que o poder se exerce das mais diversas formas e que nem sempre as mais hábeis e eficazes são as que têm maior visibilidade. São, ainda, exímios no modo como gerem o tempo, lidando, como ninguém, tanto com a fortuna como com a virtude…

 Quem pensa que, por ocupar um pelouro partidário, por exemplo, (por mais elevado que seja) tem poder, engana-se redondamente.

Assim, uma análise atenta, pouco mais do que básica (tipo “universidade de verão”), dá para entender que foi nulo o poder dos actuais dirigentes, da “rua do Adão”, no processo de candidatura social-democrata às últimas eleições para a Câmara de Ponta Delgada. Nem de outra maneira se poderia entender.

Acaso alguma vez os dirigentes da “renovação” indicariam como candidato à vice-presidência da vereação um veterano da política regional, um “incondicional” de João Bosco, como é o  caso de Humberto de Melo?

A vitória em Ponta Delgada nada tem, pois, a ver com este PSD e tem um alcance político que vai muito para além da simples conquista da cidade.

Na verdade, a estratégia vencedora foi, claramente, delineada a partir de um tripé que, correndo por fora, jogou, oportunamente, uma cartada com previsíveis efeitos de médio prazo, podendo, assim e a seu tempo, abrir portas a um novo ciclo político nos Açores.

Deste modo se joga o futuro político de José Bolieiro e do seu “vice”, que bem conhece os trilhos do caminho…

Quem disse ser feio apontar com o dedo?

 

 

Luís Bastos

 

 

 

 

Ponta Delgada: memória e identidade

A  identidade de uma  comunidade enraíza-se na sua história económica, social, política e cultural. Fomos e somos os seus agentes. A cidade onde vivemos é, simultaneamente, um espaço de memória colectiva e o lugar onde o futuro se projecta. Por isso nos cabe, hoje, o dever não só  de  preservar o seu passado mas, igualmente, a tarefa de gizar uma cidade capaz de responder, de forma inteligente, aos novos desafios decorrentes, sobretudo, da revolução operada pelos transportes aéreos.

A manterem-se os ventos de feição – o que no mundo actual é sempre uma incógnita – Ponta Delgada conhecerá um período de transição que, naturalmente, acarretará  dúvidas e hesitações quanto às mais adequadas medidas de política a adoptar. A responsabilidade dos decisores políticos é grande e entre câmara e governo o diálogo prefigura-se como instrumento fundamental para a necessária mobilização de recursos e convergência de perspectivas. Escolhas e  decisões terão, doravante, de levar em linha de conta novos critérios de abordagem urbana sintonizados com as novas realidades.

Fazer do turismo um sector forte da actividade económica é uma velha aspiração. Criadas que parecem estar as condições para a concretização do velho sonho, importa perceber, agora, em que cidade queremos viver. Compreende-se que o investimento neste sector possa suscitar as atenções das entidades públicas e a apetência dos privados, como, aliás, já acontece. Ainda bem e há que aproveitar a “onda”. Não podemos é estar desatentos aos  perigos que nos espreitam.

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Contraste chocante entre a preocupação pela preservação e o abandono

Apostar no desenvolvimento turístico não pode traduzir-se numa preocupação por dividendos imediatos, nem na tentação pelo comodismo da cópia fácil de modelos descontextualizados ou já caducos. É necessário apelar  à imaginação e à inovação, ao bom senso e ao bom gosto, para o justo equilíbrio entre uma cidade que já indicia  algum cosmopolitismo e a sua identidade.

Temos pessoas, jovens e menos jovens, com muita competência e sensibilidade, nas várias áreas de intervenção urbanística, ambiental e artística, esperando a convocatória  para um maior envolvimento em projectos inovadores. Importa desburocratizá-las, dar-lhes a confiança e a autonomia necessárias para um trabalho criativo que não sucumba, como acontece na maior parte das vezes, às “superiores directivas sobre prioridades políticas” ( eleitoralistas, entenda-se) ou ao argumento de autoridade.

Por outro lado, os pontadelgadenses, porque conhecem melhor o mundo, estão, agora, mais atentos ao tipo de vivências na urbe, têm aspirações e interesses diferentes, estão  mais exigentes para com a qualidade de vida na sua cidade. Evidentemente, não podemos deixar de registar e até enaltecer os esforços que têm vindo a ser  feitos para evitar que a cidade caia nas mãos do investimento cego, descaracterizador e despersonalizante.

No entanto, as circunstâncias justificam  alertas e reclamam esforços redobrados capazes de inaugurar uma nova atitude face à cidade e ao seu concelho. Continuar a ler “Ponta Delgada: memória e identidade”

Antero de Quental – o problema do valor patrimonial que a escola “esconde”

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O ex Liceu é detentor de um património cultural cuja riqueza em muito extravasa o âmbito do próprio imóvel, o Palácio de Fonte Bela (1839), onde a escola se incrustou (1921).

 Funcionou, desde a sua fundação (1852) como centro de animação  cultural da cidade de Ponta Delgada e foi um viveiro  de  personalidades que, tendo ali estudado, viriam  a destacar-se na sociedade micaelense nos domínios da  literatura, das artes, das ciências e da política, integrando, já, as páginas da história dos Açores, dos séculos XIX e XX. Algumas delas pertenceram ao seu corpo docente.

E foram as invulgares capacidades de dinamização de actividades paralelas ao exercício da docência e o seu envolvimento afectivo com a instituição que, em larga medida,  permitiram à escola secundária Antero de Quental ser, hoje, depositária de um considerável património cultural.

A título de exemplo e porque, certamente, desconhecido do grande público e não só, podemos referir a livraria particular de Aristides Moreira da Mota, doada, pelo próprio, em 1936, contendo cerca de 2000 livros e revistas, que se distribuem pelas áreas da geografia, história, filosofia, ciência e política, tratando-se, na sua maior parte, de  edições do século XIX e das primeiras duas décadas do século XX. Algumas são muito valiosas, pela sua raridade, antiguidade, interesse científico ou literário, como sejam a 1.ª edição francesa da obra A Origem das Espécies, de Charles Darwin, as Décadas da Ásia de João de Barros, edição do próprio século XVII, ou a Biografia da Madre Teresa da Anunciada, do Padre José Clemente, edição de 1762.

Também a livraria particular do investigador naturalista Padre Ernesto Ferreira, integrando mais de mil exemplares, constitui parte do espólio doado à escola.

Uma parte do acervo bibliográfico geral é constituída por uma colecção de setecentos livros e artigos, versando sobre os mais diversos temas e reunida em mais de uma centena  de volumes sob a designação de “Miscelâneas”. Aqui se foi coligindo, desde o século XIX a meados do século  XX,  algumas raridades bibliográficas como a 1ª edição de 1868 da obra, Portugal Perante a Revolução de Hespanha, de Antero de Quental, bem como inúmeros outros livros e documentação diversa, constituindo um precioso manancial de informação sobre os Açores. Para além de muitos outros importantes autores e investigadores, nestas “Miscelâneas” encontram-se obras de Aristides Moreira da Mota, Arruda Furtado, Eugénio Pacheco, Ayres Jácome Correia, Hintze Ribeiro, Caetano d’Andrade Albuquerque, Ernesto do Canto, José do Canto, Afonso de Chaves, Ernesto Ferreira, José Agostinho, Alfredo Bensaude, Joaquim Bensaude, Gil Mont’Alverne de Sequeira, Bruno Tavares Carreiro, Luís Bernardo Leite de Ataíde, António Augusto Riley da Mota, João Anglin, Rui Galvão de Carvalho, Ilídio Sardoeira, Henrique Galvão, Urbano Mendonça Dias.

 O “Liceu” dispõe, também, de uma invejável colecção zoológica, organizada durante a primeira década do século XX por Silveira Vicente, professor e Manuel António de Vasconcelos, auxiliar especializado em “preparações zoológicas”. A aquisição de muitos dos exemplares, que compõem este acervo, deve-se a Carlos Machado, que foi professor e reitor.

Ainda no que ao património científico diz respeito, merece, também, especial relevo, as colecções e acervos de mineralogia e geologia só possíveis graças ao empenho de  Alfredo Bensaude,  fundador do Instituto Superior Técnico e na altura, seu director.

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Acervos mineralógicos e geológicos doados por Alfredo Bensaude

Ainda no âmbito das ciências,  destaque-se o já instalado museu da Física.

A escola possui uma notável colecção de obras de arte que inclui nomes como Tomás Vieira, Luís França, Urbano, José Nuno Câmara Pereira, Canto da Maia, Álvaro França, Eduardo Teixeira, entre outros. O pintor Domingos Rebelo é autor de uma colecção composta por doze quadros.

Ora, o problema com o valor patrimonial que a escola secundária Antero de Quental “esconde” é que, por ser pouco conhecido, não tem merecido a devida atenção das instituições  com competência em termos de defesa e salvaguarda do património regional. Por se tratar de uma escola, ele é descurado ou mesmo esquecido, com uma excepção para o edifício, por razões, óbvias, de segurança. Se é compreensível que a educação se preocupe mais com a escola  do que a cultura, já não é razoável que esta volte costas ao  património que é de todos.

É um facto que não existe, entre nós, experiência em lidar com escolas que são, também, “núcleos museológicos”.  É por isso que se torna importante perceber que escolas como a de Antero exigem um tratamento não de favorecimento em relação às demais, mas diferenciado.  Terá de possuir, por exemplo, um estatuto capaz de traduzir  as suas especificidades. É isto compatível com a actual “carga humana” que preenche aquele espaço escolar? Será  necessário proceder-se à racionalização de recursos, físicos e humanos? Vamos lá a estudar, depois se avaliará…

Por outro lado, não é justo que uma escola fique limitada, em espaços pedagógicos ou em novos equipamentos tecnológicos, só por padecer do “mal” que é deter património!