Antero de Quental – o problema do valor patrimonial que a escola “esconde”

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O ex Liceu é detentor de um património cultural cuja riqueza em muito extravasa o âmbito do próprio imóvel, o Palácio de Fonte Bela (1839), onde a escola se incrustou (1921).

 Funcionou, desde a sua fundação (1852) como centro de animação  cultural da cidade de Ponta Delgada e foi um viveiro  de  personalidades que, tendo ali estudado, viriam  a destacar-se na sociedade micaelense nos domínios da  literatura, das artes, das ciências e da política, integrando, já, as páginas da história dos Açores, dos séculos XIX e XX. Algumas delas pertenceram ao seu corpo docente.

E foram as invulgares capacidades de dinamização de actividades paralelas ao exercício da docência e o seu envolvimento afectivo com a instituição que, em larga medida,  permitiram à escola secundária Antero de Quental ser, hoje, depositária de um considerável património cultural.

A título de exemplo e porque, certamente, desconhecido do grande público e não só, podemos referir a livraria particular de Aristides Moreira da Mota, doada, pelo próprio, em 1936, contendo cerca de 2000 livros e revistas, que se distribuem pelas áreas da geografia, história, filosofia, ciência e política, tratando-se, na sua maior parte, de  edições do século XIX e das primeiras duas décadas do século XX. Algumas são muito valiosas, pela sua raridade, antiguidade, interesse científico ou literário, como sejam a 1.ª edição francesa da obra A Origem das Espécies, de Charles Darwin, as Décadas da Ásia de João de Barros, edição do próprio século XVII, ou a Biografia da Madre Teresa da Anunciada, do Padre José Clemente, edição de 1762.

Também a livraria particular do investigador naturalista Padre Ernesto Ferreira, integrando mais de mil exemplares, constitui parte do espólio doado à escola.

Uma parte do acervo bibliográfico geral é constituída por uma colecção de setecentos livros e artigos, versando sobre os mais diversos temas e reunida em mais de uma centena  de volumes sob a designação de “Miscelâneas”. Aqui se foi coligindo, desde o século XIX a meados do século  XX,  algumas raridades bibliográficas como a 1ª edição de 1868 da obra, Portugal Perante a Revolução de Hespanha, de Antero de Quental, bem como inúmeros outros livros e documentação diversa, constituindo um precioso manancial de informação sobre os Açores. Para além de muitos outros importantes autores e investigadores, nestas “Miscelâneas” encontram-se obras de Aristides Moreira da Mota, Arruda Furtado, Eugénio Pacheco, Ayres Jácome Correia, Hintze Ribeiro, Caetano d’Andrade Albuquerque, Ernesto do Canto, José do Canto, Afonso de Chaves, Ernesto Ferreira, José Agostinho, Alfredo Bensaude, Joaquim Bensaude, Gil Mont’Alverne de Sequeira, Bruno Tavares Carreiro, Luís Bernardo Leite de Ataíde, António Augusto Riley da Mota, João Anglin, Rui Galvão de Carvalho, Ilídio Sardoeira, Henrique Galvão, Urbano Mendonça Dias.

 O “Liceu” dispõe, também, de uma invejável colecção zoológica, organizada durante a primeira década do século XX por Silveira Vicente, professor e Manuel António de Vasconcelos, auxiliar especializado em “preparações zoológicas”. A aquisição de muitos dos exemplares, que compõem este acervo, deve-se a Carlos Machado, que foi professor e reitor.

Ainda no que ao património científico diz respeito, merece, também, especial relevo, as colecções e acervos de mineralogia e geologia só possíveis graças ao empenho de  Alfredo Bensaude,  fundador do Instituto Superior Técnico e na altura, seu director.

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Acervos mineralógicos e geológicos doados por Alfredo Bensaude

Ainda no âmbito das ciências,  destaque-se o já instalado museu da Física.

A escola possui uma notável colecção de obras de arte que inclui nomes como Tomás Vieira, Luís França, Urbano, José Nuno Câmara Pereira, Canto da Maia, Álvaro França, Eduardo Teixeira, entre outros. O pintor Domingos Rebelo é autor de uma colecção composta por doze quadros.

Ora, o problema com o valor patrimonial que a escola secundária Antero de Quental “esconde” é que, por ser pouco conhecido, não tem merecido a devida atenção das instituições  com competência em termos de defesa e salvaguarda do património regional. Por se tratar de uma escola, ele é descurado ou mesmo esquecido, com uma excepção para o edifício, por razões, óbvias, de segurança. Se é compreensível que a educação se preocupe mais com a escola  do que a cultura, já não é razoável que esta volte costas ao  património que é de todos.

É um facto que não existe, entre nós, experiência em lidar com escolas que são, também, “núcleos museológicos”.  É por isso que se torna importante perceber que escolas como a de Antero exigem um tratamento não de favorecimento em relação às demais, mas diferenciado.  Terá de possuir, por exemplo, um estatuto capaz de traduzir  as suas especificidades. É isto compatível com a actual “carga humana” que preenche aquele espaço escolar? Será  necessário proceder-se à racionalização de recursos, físicos e humanos? Vamos lá a estudar, depois se avaliará…

Por outro lado, não é justo que uma escola fique limitada, em espaços pedagógicos ou em novos equipamentos tecnológicos, só por padecer do “mal” que é deter património!

 

Parque Terra Nostra

Parque Terra Nostra, é o título de um livro lançado, há pouco mais de uma semana, nas Furnas. Uma edição de luxo, de Patrícia Bensaude Fernandes, com excelente grafismo, fotografias de interesse histórico e elevada qualidade estética.

Luís Mendonça de Carvalho, prestigiado biólogo, escreve sobre a história do “Parque” e soube cativar o leitor para uma interessante “visita guiada” à imensa riqueza e diversidade das colecções botânicas que integram aquele jardim.

Porém, e em nome da verdade histórica, uma pequena correcção, apenas, se impõe. Assim, na página 45 deste livro pode ler-se que, “em 1933, a Sociedade Terra Nostra, liderada por Vasco Bensaude, adquiriu, aos herdeiros dos Marqueses da Praia e Monforte, terrenos na orla da propriedade para aí edificar o primeiro hotel construído nos Açores – todos os outros eram adaptações de edifícios que tinham tido outros usos.”

Ora, independentemente da referida aquisição de “terrenos na orla da propriedade”, acontece que a Sociedade Terra Nostra, no dia 3 de Outubro de 1933, fazendo-se representar por Augusto Rebelo Arruda, Lúcio Agnelo Casimiro e Francisco Bicudo Medeiros, comprou o Atlantic Hotel, aos seus proprietários de então e desde 1919, Fernando da Silva Bastos e sua mulher, Helena Vieira da Silva Bastos. Posteriormente, procedeu aquela Sociedade à demolição deste hotel para e no mesmo espaço edificar, então, o Hotel Terra Nostra.

Seria completamente descabido de sentido responsabilizar o autor deste magnífico livro por tal incorrecção. Bem sei que as fontes históricas a que recorreu, na sua investigação, são igualmente omissas quanto a este facto que, agora, aqui torno público.

http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/O Atlantic Hotel no início da década de 1930, propriedade de Fernando da Silva Bastos e sua mulher Helena Vieira da Silva Bastos, meus avós.

Foto do arquivo de família

Luís Bastos

Actividade sísmica na “geringonça”

Dos contornos da crise que se instalou no governo, como consequência dos terríveis incêndios que assolaram o país, bem como da movimentação de bastidores que, necessariamente, lhe esteve associada, muito pouco se sabe ainda. Mas o que se conhece, dá bem para entender que, se o diabo não vem aí, terá pelo menos a sua sombra deixado rasto indelével no funcionamento da “geringonça”. O impacto gerado no tripé governativo foi, de facto, demasiado forte para que este possa prosseguir caminho em velocidade de cruzeiro.

É fácil  descortinar  o ambiente de confusão que se instalou nos corredores e gabinetes de São Bento na atabalhoada procura de respostas  para os  directamente envolvidos na tragédia e, não menos importante, para tranquilizar os partidos que apoiam o governo, sempre ansiosos em conservar o poder que tão árdua e habilmente conquistaram.

Na comunicação social, políticos e comentadores, bem instruídos pelas respectivas “centrais  de informação”, vieram  a terreiro esgrimir argumentos pró e contra a demissão de Constança. Esta, por sua vez,  defende que não se deve demitir e o primeiro ministro afirma que não a demitirá!

De um modo não esperado, para os menos atentos,  Marcelo, o Presidente dos afectos, entra em cena, de rompante, exibindo a outra faceta, fria e calculista do “Príncipe” e desfere o primeiro sério golpe na fragilizada “geringonça”. A consequência mais imediata e visível foi a demissão de Constança, o que a desautoriza, bem como ao próprio primeiro ministro, tendo em conta as afirmações, anteriormente, por ambos proferidas.

Perante cenários políticos com um grau de complexidade mais elevado, ficou demonstrada a ausência de sentido de estado deste governo bem expressa na sua evidente inépcia, o que não deixa de nos trazer preocupação acrescida face a eventuais acontecimentos futuros.

Doravante, o fantasma de Marcelo passará a pairar nas reuniões do conselho de ministros condicionando a actividade governativa. As relações  entre o governo e o Presidente dificilmente serão as mesmas e as divergências internas vão abalar (ainda mais) a plataforma.

Entretanto, as dificuldades decorrentes da situação económica do país começam a ganhar, novamente, espaço mediático e  as previsíveis “cativações” (cortes) orçamentais ameaçam fazer regressar o país à depressão imposta pelo paradigma financeiro.

Bruxelas já espreita e António Costa, enquanto portador de “boas novas”, poderá ter os dias contados.

 

Debilidades perigosas

Acontecimentos recentes,  de natureza variada, colocam  em causa alguns dos principais alicerces em que o estado de direito assenta. Analistas e comentadores procedem, na maior parte das vezes, a análises sectoriais da sociedade  as quais acabam por esconder realidades políticas e sociais mais globais e que, se atentamente analisadas, torna clara  a gravidade de certas situações com que, hoje, Portugal se defronta.

Sendo que a segurança dos cidadãos, dos seus bens e haveres  se encontra no topo da lista das atribuições do estado, a tragédia dos fogos que assolou o país de forma devastadora é bem demonstrativa de como ele não cumpriu com  as suas funções mais básicas.

A notória intranquilidade com que o primeiro ministro Costa ontem falava  à comunicação social, ladeado por uma ministra visivelmente envergonhada e onde tentava  justificar o injustificável, também  em nada contribuiu, antes  pelo contrário, para a formação, nos cidadãos, da ideia de um estado eficaz e zelador dos seus interesses. Aliás, quando António Costa se apressa a declarar que não demitirá Constança, fá-lo já na vã tentativa de salvaguardar  o estado de responsabilidades pelos trágicos acontecimentos. Contudo, queremos acreditar, será a própria consciência da ministra a ditar-lhe a saída. Outros dirão que será a “ética republicana” (expressão cujo sentido, ainda hoje, tenho dificuldade em entender) e, outros ainda, que foi por pressão de Marcelo.

Quanto ao Presidente da República, conhecido por estar  em todo o lado e por todos ser amado, vive e viverá sempre num evidente desconforto resultante da contradição expressa na  sua enorme vontade de acção e o pouco ou nada  que poderá  fazer. A tradicional distribuição de afectos´e comportamentos paternalistas, que parecem deleitar as populações e suavizar sentimentos de revolta, voltarão  e a “geringonça” mais uma vez agradecerá,  reconhecidamente, ao  Presidente, o “estilo” muito eficaz mas que se  dispensa de praticar por não se compaginar com a postura dos “homens verdadeiramente de esquerda”.

A própria “geringonça”  que funciona em permanente corda bamba, gerindo minuciosamente  os interesses e as  vantagens políticas  que a plataforma pode  trazer  não para o país, mas para o futuro de cada um dos seus partidos constituintes, não deixa de introduzir também um outro elemento de preocupação na  já débil conjuntura política que caracteriza o estado português actual. Claro que o vazio criado pela ausência de uma oposição credível e  não  se prevendo uma inversão desta situação a médio prazo, adensa, consideravelmente, os níveis de ambiguidade política vividos na sociedade portuguesa.

Mas quando as instituições detentoras  do uso exclusivo da força,  que visam a coesão e a segurança do estado, como as forças armadas e as polícias, dão fortes sinais de fragilidades de comando e de robustez de estrutura, como o demonstram os recentes casos de Tancos e as  manifestações de desagrado das polícias, é natural que  o grau de apreensão das pessoas aumente  ainda mais.

Last but not least, a desgastante confrontação  pública que se arrasta há anos entre pilares fundamentais do estado – poder judicial e poder político, com  “máfias” económicas e financeiras representativas do capital luso de permeio –  produz  um sentimento de desconfiança generalizada na cultura empresarial portuguesa, nos agentes políticos  bem como na eficácia do aparelho judicial.

Afinal, a tão badalada reversão de políticas, como a reposição de salários e pensões, pode não ser suficiente para melhorar a saúde do estado português…