Na Europa pós revoluções industriais, de uma forma crescente e cada vez mais organizada, sobretudo a partir dos finais do século XIX, os grupos sociais encontraram nos partidos políticos em que se integravam um espaço público próprio, aberto à livre expressão e debate de ideias, à reivindicação de direitos, à defesa dos interesses respectivos, um meio de participação na construção e, mesmo, na concretização, com maior ou menor sucesso, das decisões tomadas pelos dirigentes, por sua vez seus representantes nos parlamentos ou nos governos.
Contudo, é a partir do século XX e já mesmo depois da II Guerra Mundial, que os designados “partidos de massas” se afirmam, tornando-se imprescindíveis à definição da democracia representativa tal como hoje a entendemos.
Na sequência do movimento libertador do 25 de Abril, a forte envolvência dos cidadãos com os partidos, fazendo ecoar a sua voz em reuniões nas respectivas sedes, de porta aberta, públicas, portanto, permitindo aos dirigentes aferir políticas, auscultar a Vox populi e, por vezes, até mesmo arrepiar caminho nas intenções quanto a medidas políticas, foi uma realidade vivida um pouco por todo o país, principalmente, durante o “PREC”. Porém, entre nós açorianos, tratou-se, surpreendentemente, de uma prática reiterada, de forma sistemática, durante as quase duas décadas em que Mota Amaral liderou o Governo dos Açores. Um dia por semana, impreterivelmente, presidia às “assembleias populares” que tomavam conta das salas da sede Regional do PSD e, frequentemente, com a presença, também, de membros do Governo. A análise da situação política regional e nacional, bem como dos progressos que a consolidação do processo autonómico ia conhecendo (e também os seus reveses), eram os temas geralmente propostos, seguidos de animados debates. Tudo isto, obviamente, à revelia de qualquer disposição estatutária…
Com a retirada de cena de João Bosco, as sucessivas derrotas eleitorais acabrunharam um PSD sem experiência na Oposição, divorciando-se, progressivamente, das bases que, por sua vez, debandaram, deixando o destino do partido nas mãos de pequenas minorias mandantes, sucedendo-se em modo de movimento de rotação, com laivos de pequenas oligarquias, onde tudo se ia decidindo em nome do partido, sempre em círculos restritos (muitas vezes em benefício dos próprios), como a escolha dos seus dirigentes, dos autarcas, dos deputados regionais, dos nacionais e dos europeus.
Hoje, com o volte-face verificado nas últimas eleições, sendo o PSD maioritário no poder, não é, todavia, o poder. É um partido que gere, árdua e pacientemente, equilíbrios, quer no interior das suas próprias hostes (note-se que, entre ex-presidentes e candidatos à presidência, conta hoje com uma mão bem cheia na política activa, com perspectivas e estilos quiçá diferentes no que respeita ao exercício das funções governativas), quer no seio das forças antagónicas no Governo. Tem, ainda, no Parlamento, o apoio tácito de forças extremistas, cujo único objectivo é aguentar esta solução governativa em troca de uma, ainda que reduzida, visibilidade política.
O PSD, que aceita e agradece o apoio da arca de Noé, corre, no entanto, riscos sérios de se ir diluindo pelas esferas cor de cinza do indeterminado, descartando a matriz social-democrata, deixando, assim, livre acesso ao Partido Socialista para preenchimento de um espaço que, naturalmente, não hesitará em ocupar, bastando para tal que siga os caminhos tão em voga das alianças contranatura, logo que a conjuntura político-partidária regional lhe acene nesse sentido.
Vasco Cordeiro, que é, afinal, o líder do único partido da Oposição que não teme a queda do governo, espreita, assim, o desgaste deste e o roer da corda dos “pequeninos”, para logo lhes lançar o isco de um poder alternativo que, certamente, não hesitarão em morder.
Em vez de se precipitar de novo nos braços da aliança, com vista à disputa das próximas eleições legislativas regionais, o PSD antes precisaria de se auto-concentrar, de redefinir estratégias como partido do e no poder, ou, pelo menos, proceder a balanços; precisa voltar a abrir-se, como outrora, sem temor ou complexos, ao diálogo com militantes e simpatizantes e certificar-se da actualidade do projecto social-democrata para a Autonomia dos Açores; precisa reganhar a identidade que parece perder-se sem que ninguém dê por isso, se é que alguém, ainda, está interessado nisso… O poder pelo poder cega e mais tarde ou mais cedo paga-se caro, muito caro.
Por outro lado, dificuldades de entendimento interno começam a ser demasiado óbvias para não merecerem público reparo e alguma apreensão. É disto mero exemplo a recente decisão desrespeitosa para com os eleitores em geral e que, pela relevância de que se reveste, mereceria, no mínimo, que fossem previamente ouvidos os social-democratas do maior município dos Açores. De facto, o afastamento da Presidente da Assembleia Municipal de Ponta Delgada, eleita com os votos maioritários dos cidadãos do Concelho, e sem que uma única justificação oficial dos órgãos responsáveis do PSD viesse a público, como recomendariam as regras da decência política, diz muito acerca do mal-estar que já se faz sentir entre alguns dos “maiorais” social-democratas da nossa praça. Afinal, a quem assacar a responsabilidade do afastamento da presidente da Assembleia Municipal? Quem para tal foi mandatado, e com que legitimidade política? Ímpetos de natureza judiciária sobre a política? Revanchismos?
Não basta apregoar a transparência dos actos públicos, é necessário que ela se torne uma realidade aos olhos do público. É por isso, e ainda neste âmbito, que urge esclarecer, entre outros assuntos, que destino levaram as tão célebres quanto controversas “agendas mobilizadoras”, bem como importa indagar, igualmente, junto da pesada e complexa burocracia que o rodeia, como estamos em termos de execução orçamental do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Insistir na via da acumulação de problemas ou do tapar o sol com a peneira por torpor, incompetência, ou, ainda, por guerras de alecrim e manjerona é contribuir para a grande incógnita daquilo que serão os Açores num futuro bem próximo.
Luís Bastos
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