Por Luís Bastos
Emmanuel Macron (actual presidente da França) foi Ministro da Economia no governo socialista do primeiro-ministro Valls (2014), sendo presidente François Hollande, tendo-se destacado pela aplicação de um conjunto de reformas visando uma ampla liberalização da economia (“Lei Macron”). Esta visão liberal de Macron iria provocar ondas de choque num centro-esquerda dominante no seio do PS francês e, passado pouco tempo, deixava o governo por divergências ideológicas inconciliáveis para, de imediato, se dedicar à constituição do seu, já então pré-anunciado, movimento político «En Marche!». Atrás de si deixava um partido socialista em lutas intestinas, em avançada fase minguante e a precisar do pulmão trotskista Jean-Luc Mélenchon, líder do «La France Insoumise» («A França Insubmissa»), para disputar eleições futuras.
De facto, aquele movimento “macronista” rapidamente granjeou apoios de vários quadrantes ideológicos saturados das políticas dos partidos do chamado arco da governação, e a debandada deu-se, reforçando-se, deste modo, o partido (a partir de 2018 designado por «La Republique En Marche!») como plataforma agregadora não só de descontentes mas, também, de muita gente atraída pela imagem de um Macron reformador, independente, capaz de reformar o sistema político francês («modernizar e moralizar a política francesa») e promover uma agenda de mudança e renovação cada vez mais exigida pela sociedade francesa. Emmanuel Macron foi eleito presidente da França em 2017, um ano após a sua saída do governo, e reeleito em 2022.
A dinâmica das forças no interior dos partidos, e entre estes e as diversas esferas sociais e económicas que à roda deles gravitam atentas, formam complexas teias de ideias, de interesses e de ambição pelo poder político por vezes de difícil visibilidade e desenvolvimentos imprevisíveis. Por isso, quase sempre nos preocupamos mais com a árvore que facilmente se enxerga, sobretudo, através da comunicação social, do que com a floresta que aquela esconde. Foi assim em França, e o fenómeno, muito embora de contornos distintos, porque os países e as respectivas histórias igualmente o são, pode estar latente em Portugal.
Os dois maiores partidos portugueses, que desde o 25 de Abril se vão alternando no poder, PS e PSD, vivem, internamente, novas realidades por via do aparecimento e consolidação meteórica, no espectro político nacional, do partido “Chega”. Enquanto os partidos à esquerda do PS e do PSD cedo resolveram o problema do relacionamento institucional com aquele novo partido, ou seja, ignorando-o pura e simplesmente, ou combatendo-o ferozmente, PS e PSD encontram-se ambos em fase de adaptação a um vizinho de bancada com 50 invejáveis lugares reservados pelo eleitorado e com quem temem entendimentos sob pena de serem acusados de conluio com “fascistas”.
Por seu turno, PS e PSD não se mostram disponíveis para convergir numa base parlamentar capaz que viabilizar a governação, talvez por serem demasiado parecidos e padecerem de alguns problemas e preconceitos comuns. Ora, a continuar desta forma, torna-se óbvio que o quadro de ingovernabilidade em que a República vive tenderá a agravar-se e a prolongar-se no tempo com evidentes vantagens, a curto prazo, para o “inimigo” comum.
Importará, ainda, não esquecer que, em boa parte, e porque a política tem horror ao vazio, o fenómeno eleitoral “Chega” se deve às más políticas do PSD, com ou sem CDS, e às más políticas do PS, com ou sem geringonça. Eis uma importante ilação que a democracia portuguesa já poderá, objectivamente, retirar dos seus 50 anos de vida.
Mas o cenário actual contém outros potenciais factores de instabilidade que tenderão a irromper com o agravamento do estado de ingovernabilidade. De facto, tanto o PS como o PSD albergam no seu seio personalidades e correntes de opinião em dissonância com as matrizes políticas dos respectivos dirigentes – no PS, José Luís Carneiro e todos aqueles que preferem o seu perfil e projecto político que se diz ser de estabilidade e previsibilidade, por oposição, claro está, ao instável e imprevisível de Pedro Nuno Santos; no PSD, a linha dura neo-liberal chefiada por Passos Coelho, que já veio a jogo tornar pública e clara a sua oposição ao «não é não» de Montenegro, abrindo mesmo as portas a um entendimento ou, pelo menos, a uma atitude, para já, de não hostilização da extrema-direita no que é coadjuvado, diga-se em abono da verdade, por largas franjas de militantes e boa parte do eleitorado PSD. Se um corre por dentro, como líder (provisório?) de uma corrente moderada a partir do hemiciclo de São Bento, o outro, não institucionalizado, e com capital político acumulado, permite-se ter agenda própria e livre circulação pelos meandros de importantes e influentes sectores da sociedade civil e não só.
A somar a esta frágil coesão interna nos partidos do “centrão”, que dificulta a estabilidade e a projecção de linhas de rumo para o país, a guerrilha generalizada dentro e entre as principais instituições do Estado, já de si tão desgastadas quanto desprestigiadas, tende a intensificar-se. Tudo isto quando se avizinham novos e decisivos desafios, tanto no plano nacional como no internacional – as eleições para o Parlamento Europeu, já em Junho próximo, e as eleições nos EUA, cinco meses depois. Acresce a tudo isto o cenário de guerra na Europa e uma situação igualmente horrenda no Médio Oriente com cujas consequências, inevitavelmente, nos confrontaremos, mais cedo ou mais tarde.
Provavelmente, em Portugal, a verdadeira política, pura e dura, em breve se jogará num outro tabuleiro, longe dos tradicionais e hoje quase bloqueados palcos institucionais. O governo actual será, apenas, a ponte para tempos de reajustamentos partidários, para uma redefinição clarificadora das forças políticas em Portugal.
Finalmente, mas não menos inquietante, segundo revela o jornal Público de 18 de Abril último, para os portugueses «a democracia é “preferível”, mas 47% apoiariam “um líder forte” sem eleições».
Reformar as instituições, fortalecer a democracia e o estado de direito? Ou há perigos reais em marcha na República?
Luís Bastos
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