O Decreto de 16 de Fevereiro de 1928 e a estocada final

Finalmente, os Açores (sobretudo S. Miguel) cantavam vitória com a aprovação do Decreto nº 15035, de 16 de Fevereiro de 1928, do Governo da Ditadura, e que respondia a algumas das mais importantes e antigas aspirações do 1º Movimento Autonomista dos finais do século XIX. De facto, agora, com letra de lei e, em larga medida, foi-se ao encontro das propostas de atribuição de autonomia financeira às Juntas Gerais, que passam a poder arrecadar e aplicar, de forma quase integral, as receitas geradas através dos impostos cobradas nos distritos, ao mesmo tempo que se livram dos encargos decorrentes dos serviços do Estado que por este passam a ser assumidos. Melhor não podia ser!

Mas tudo isto acontecia ainda a Ditadura se encontrava em estado embrionário, mais preocupada em alicerçar o seu próprio futuro do que em perder tempo com “bizarrias insulares” que, não obstante, se tornava importante acalmar, não fosse essa sempre presente ideia de independência ganhar novo fôlego e Portugal acordar um dia sem uma das suas províncias…

Revista “Os Açores”, Março de 1928

Por esta e por outras, o Governo da República joga pelo seguro, e envia o Coronel Silva Leal, natural da Praia do Almoxarife, Faial para os Açores como Delegado Especial (1927). E é este militar, ligado ao movimento que deu origem ao golpe de 28 de Maio de 1926, quem irá elaborar com a estreita colaboração de dois novos destacados líderes do 2.º movimento autonomista, Conselheiro Luís Bettencourt e José Bruno Tavares Carreiro, o projecto para uma “Província Autónoma dos Açores”. Este texto acaba na gaveta mas não será esquecido, servindo de suporte inspirador do futuro Decreto de 16 de Fevereiro de 1928.

Parecia ter-se, de facto, conseguido aquilo por que os açorianos há muito, abnegadamente, lutavam. E os novos autonomistas acreditaram que com a Ditadura era chegada a hora da realização do sonho!

Indiscutivelmente, o Coronel Silva Leal gozava de enorme popularidade junto da nova geração de autonomistas, e viu o seu apoio ainda mais alargado ao nomear, sabiamente, José Bruno Carreiro para seu chefe de gabinete civil…

Diário dos Açores, Fevereiro 1928

Entretanto, Salazar impunha-se, ganhava prestígio e aceitação geral no País, e aos olhos dos protagonistas do 2.º Movimento Autonomista, indefectíveis do Delegado Especial, o homem de Santa Comba emergia como figura salvífica, não só capaz de repor a “ordem” social e financeira no País, como, também, de, nos Açores, apoiar os ideais autonomistas agora tão bem plasmados no Decreto. No entanto, como escreve Reis Leite: “Quando da consolidação de Oliveira Salazar no poder, como todo poderoso ministro das finanças, no verão desse mesmo ano, as veleidades de autonomia financeira e a aplicação nos Açores do produto dos impostos aqui gerados ruíram. Para Salazar autonomias só de nome e com rédea curta em questões financeiras, porque o cidadão comum e para mais ilhéu, não era de confiança para arrecadar e gerir dinheiros.”

Com a repressão do Estado Novo que se seguiu, durante décadas, a própria palavra autonomia acabou por perder carga significativa e por ter um valor meramente residual. As elites sociais, políticas e económicas micaelenses, elas próprias, com pergaminhos autonomistas, acomodaram-se aos tempos, sendo que muitas das suas mais destacadas personalidades acabaram por se tornar responsáveis pela implantação e consolidação do Estado Novo nos Açores, como também o foi, e com muito vigor, o Coronel Silva Leal, que tendo chegado a ser o “Messias Açoreano”, para uns, e o “Benemérito Açoreano”, para outros, viria a ser, ainda, nomeado Comandante Militar dos Açores, destacando-se na repressão aos revoltosos do levantamento militar de 1931 que nos Açores ocorreu contra a Ditadura…

Assim foram os Açores, uma vez mais, enganados, humilhados e abandonados.

Meio século depois, veio o 25 de Abril e os Açores conseguiram! Mas isto é outra história que ainda decorre, e sobre a qual há muito para contar e, certamente, muito mais ainda por fazer. Entretanto, vigilantes, sempre!

Luís Bastos

Autor: Luís Bastos

Licenciado em Filosofia; Mestre em filosofia contemporânea. Interesses: filosofia e ciência politica; ética; filosofia da ciência; artes; história; património cultural. Blogue: azoreantorpor.wordpress.com

2 opiniões sobre “O Decreto de 16 de Fevereiro de 1928 e a estocada final”

Deixe um comentário