A icónica banda rock nascida na primeira metade da década de 60 do século passado, “The Rolling Stones”, lançou no passado dia 20 em Hackney, um bairro modesto na periferia de Londres, o seu último e provavelmente derradeiro álbum de músicas inéditas intitulado – no que pode ser interpretado como uma homenagem à gente simples e trabalhadora dos bairros de onde eles próprios provêm – “Hackney Diamonds”. Neste género musical que para além das exigências associadas à composição, execução instrumental e vocal reclama, igualmente, boa forma física, estamos, sem dúvida, perante um fenómeno artístico de extraordinário valor, aprecie-se ou não a música rock, goste-se ou não dos Rolling Stones. Acresce a longevidade do grupo e o facto de dois dos seus principais elementos já ultrapassarem as 80 primaveras!
Naqueles anos 60, ruas e praças das principais cidades da América do Norte e da Europa ocidental são tomadas pelos ímpetos contestatários de uma geração preocupada em libertar-se de sentimentos reprimidos, seja em relação aos costumes e padrões morais vigentes, seja em relação a uma ordem institucional decretada como caduca. Uma onda de jovens e de menos jovens, mais ou menos politizada e organicamente pouco estruturada, em toada libertária e sob palavras de ordem como Peace and Love e, quiçá de todas a mais famosa, É proibido proibir, aventura-se, oniricamente, por caminhos que haviam, afinal, de desembocar num conjunto de novos paradigmas traduzido em profundas alterações nas relações sociais que até então pontuavam na vida quotidiana.
Os movimentos pelos direitos civis e pela paz, as gigantescas manifestações contra a guerra no Vietname (que levam Mick Jagger a escrever Street Fighting Man), bem como a acesa e generalizada contestação à cultura vigente e aos poderes instituídos, como o festival de música Woodstock nos EUA, ou o “Maio de 68” em França – sem claros objectivos políticos, porém com forte pendor subversivo (Make Love not War; LSD tout de suite!) – são alguns dos exemplos mais empolgantes de uma mobilização de “massas” que tem como elemento simultaneamente catalizador e aglutinador a música rock, e nos Rolling Stones um dos seus mais representativos intérpretes. As suas canções com letras “ousadas” e ritmos alucinantes, que despertam emoções e incitam ao comportamento rebelde, estão presentes nos vários palcos onde a história se ia fazendo naqueles anos de ouro. Muitas delas, ainda hoje, se encontram associadas na memória de muitos dos que assistiram, como espectadores ou como agentes activos, a um processo de transformação sócio-cultural que, em múltiplos aspectos, ditaria os padrões ainda prevalecentes nas sociedades actuais.
Aquele que é, talvez, um dos maiores historiadores do nosso tempo, Eric Hobsbawm, na sua obra de memórias políticas, “Tempos Interessantes”, escreve que «Se alguma coisa simboliza os anos 60 é a música rock, que inicia a sua conquista do mundo na segunda metade da década anterior, abrindo de imediato um fosso profundo entre as gerações pré e pós 1955». Não sem alguma ironia e com o humor que o caracteriza, continua Hobsbawm: «O que realmente transformou o mundo ocidental foi a revolução cultural dos anos 60. Talvez 1968 não seja um ponto de viragem tão decisivo, nos termos da história do século XX, como 1965, ano sem qualquer importância política, mas que foi aquele em que a indústria francesa do vestuário produziu pela primeira vez mais calças de mulher que saias, e em que o número dos alunos dos seminários católicos começou a diminuir visivelmente». E, em jeito de remate: «Poder-se-ia sustentar que o sintoma verdadeiramente eloquente da história da segunda metade do século XX não foi nem a ideologia nem o movimento estudantil, mas o triunfo dos jeans.»
Seja como for, o que a evidência histórica demonstra é que com os poderosos movimentos contestatários dos anos 60 associados à música rock e a um dos seus ícones, os Stones, o mundo nunca mais foi o mesmo. Para o bem e para o mal.
Luís Bastos
Um pensamento em ““HACKNEY DIAMONDS” & OUTROS”